segunda-feira, 7 de junho de 2010

às vezes quero ser terceira pessoa




Mesmo nas manhãs mais cinzentas, ela arquitetava pequenos planos sobre como subir da maneira mais barulhenta possível, tilintando os sapatinhos baixos na grande escada. Ele nunca a esperaria de pé, por razões óbvias, mas ela sabia que ou ao menos pensava que sabia, quanto mais barulho fizesse, mais ele ficaria sem sono. Na cabeça de 10 anos dela, existia uma cumplicidade no barulho da escada, um em cada ponta.

Era como se ela lhe dissesse cada vez que chegasse:

_Cheguei, cheguei, eu estava com saudades!

Embora fosse tão tímida que nunca conseguia dizer nada quando terminava a subida.

E era como se ele soubesse:

_Acabou a paz. Ela vem bagunçar as minhas coisas. Porque eu gosto disso?

Na verdade era tudo achismo dela. Ela gostava de bagunçar tudo, mas queria realmente saber se estava bagunçando. Ela queria bagunçar a ponto de pôr a cabeça dele entre os seus cotovelos magrinhos e a barra do blusão de lã grande demais, comprado na seção de pessoas grandes - alguém esperava que ela fosse crescer um pouco mais - enroscando os dedos pintados com alguma cor berrante, quase tinta guache, pelos cabelos dele, e então, e então. Nada.

Há algum tempo notara que ele tinha manias interessantes e anotava todas elas em seu pequeno caderno mental. O trejeito com a xícara de chá, que foi o que ela notou primeiro, primeiro mesmo, lá longe, quando ela tinha até muito ódio de ter que subir escadas, era de fato seu preferido. E grotesco, de leves.

E então muitas coisas fizeram com que ele se tornasse de fato seu preferido. Tem horas que ela quer muito pular em seu pescoço, de raiva. Tem horas que. Não.

Às vezes, quero ser terceira pessoa, me esconder no ela, embaixo da escada, assim, pequenininha. Tenho medo dela, em primeira pessoa. Um dia ela vai fazer uma loucura. Ou não. Não.


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